top of page

TEXTOS/ESSAYS > TIAGO TEBET

OS TEXTOS DAS TEXTURAS

À deriva. Dentro de uma “nova pintura brasileira”, a obra de Tiago Tebet talvez seja uma das pesquisas com maior desenvoltura, exatamente por não sucumbir ao vício de fórmulas ou se restringir a um único objetivo - ousa no acadêmico sem apelar para o experimental. A obra se descobre junto com o artista, mapeia percursos de dentro para fora, abre caminhos com instrumentos diversos sem temer repreensão e despreocupada em polemizar.

São trabalhos compostos de varias camadas investigativas até atingir a superfície pictórica. O processo é tão relevante quanto o resultado: desde a escolha da paleta de cores e da superfície de construção até as ferramentas de criação da obra. Algo que visualmente possa parecer raso à primeira vista, possui uma profundidade não apenas técnica para alcançar o efeito almejado, mas também um fundo conceitual que não está exposto nem escondido, é um estilo refinado que incomoda pela discrição.

A série de pinturas que reproduzem superfícies de objetos ordinários, como portões de garagem, cortinas, muros e outros planos presentes no nosso cotidiano, trata de questões dentro da pintura que em pleno século vinte e um não foram de forma alguma esgotadas. Luz, linha, cor, espaço, forma... A preocupação do artista difere da necessidade contemporânea de buscar algo inovador ou genial, é uma obra progressiva exatamente por não recear voltar atrás, rever, reposicionar e ampliar esses pontos chaves no universo da pintura. Ainda sob esse aspecto, o trabalho de Tebet discorre textos através de texturas visuais, se manifesta de forma sutil num mundo de estardalhaços, invoca uma reflexão pessoal através de símbolos públicos indo além da ambição política ou social do artista na obra, ratificando para a arte o direito de existir sem um propósito contextual ou narrativo, de ser substancial na sua própria natureza independente.

As obras monocromáticas pretas não pretendem ser originais, tampouco axiomas, defendem o valor da releitura e reorganização do método de trabalho do artista tal como do pensamento do espectador. Não é a novidade que rege o discurso, Tebet propicia uma outra perspectiva sobre o mesmo tema. A variação dos tons de pretos na mesma tela, a tênue luminosidade que demarca territórios e volumes no espaço pictórico, a densidade de castas de tinta, são todos esses elementos que formam uma trama consistente o suficiente para questionar por um lado a capacidade de reconfiguração do artista e por outro o conformismo do público.

Seria fácil listar artistas que servem como possíveis referências de alguma forma a Tebet, desde o estudo geométrico de Luis Sacilotto ou da abordagem cromática de Arcângelo Ianelli até o perfeccionismo plástico e o reconhecimento espacial de Frank Stella, passando invariavelmente pelo legado irônico e interdisciplinar de Ed Ruscha. Porém, é a variação entre esses e tantos outros pontos em comum que, somados ao esforço individual e a identidade singular da produção do artista, permite a ele reciclar algo com uma linguagem própria, desmascarando mitos e literalmente descascando cada pintura para descobrir uma nova.

O interesse por materiais diversificados leva Tebet a desafiar sua própria rotina no ateliê, elevando elementos da produção ao mesmo nível da obra, como é o caso da serie de fotografias de canivetes da coleção pessoal do artista, na qual cada canivete contem a inscrição “God Job”, feita pelo próprio artista, apoiado sobre uma superfície de madeira; um humor negro dentro de uma estética rústica, extremamente apropriado ao universo de criação do artista, explorando com dinamismo e audácia outra mídia alem da sua zona de conforto - a pintura não é uma redoma para Tebet, diga-se de passagem, é comum ver estudos e obras do artista em forma de recorte, colagem, e até esculturas.

Em produção mais recente, Tebet desconstrói parte do que fez anteriormente para reedificar sua obra. Trabalha com o mesmo rigor original, entretanto, partindo de um ponto inverso. Não é uma contradição, e sim uma reavaliação, um reposicionamento que permite estruturar uma idéia posterior sobre um assunto já investigado dentro de uma trajetória que se recusa a ser linear, nem por isso deixando de ser coesa.

 

A definição do artista no mundo contemporâneo é ampla e vaga. Pode-se dizer que o artista é aquele que cria algo novo, ou então aquele que tem uma idéia espetacular a partir de algo já existente, entre outras coisas. Poucos porém, são os artistas que acompanham e desenvolvem cada etapa do próprio trabalho. Aquele que sabe a mínima diferença entre materiais, que faz as próprias molduras, que descobre com a mão na massa os trâmites e a potência de cada detalhe do trabalho. Assim como o escritor que aprende a relevância da pontuação no texto, o artista deve dissecar as texturas da obra nos pormenores. Tiago Tebet ainda está aprendendo o beabá, aperfeiçoando sua caligrafia e a cada página aprimorando sua linguagem; escreve com seus pincéis e canivetes à deriva dos artistas brasileiros da atualidade, dita seu próprio ritmo, independente de qualquer demanda comercial ou institucional, navega além para em pouco tempo não ficar aquém.

"fábula, frisson, melancolia"

instituto tomie ohtake, são paulo, 2017

foto: fernando mota

TEXTO ESCRITO PARA O ARTISTA, são paulo, 2015

bottom of page